Vasectomia
- Dr. Charles Riedner
- 19 de jan.
- 8 min de leitura
Atualizado: 19 de fev.
A vasectomia é um procedimento cirúrgico de controle de natalidade masculino que corta ou bloqueia os ductos deferentes, impedindo que os espermatozoides se misturem com o sêmen durante a ejaculação. Embora a produção de espermatozóides continue ocorrendo nos testículos, eles não são liberados pela via excretora no momento da ejaculação (já que o canal deferente é bloqueado pela cirurgia), tornando o homem estéril. Assim, o homem continua a ejacular, pois a maior parte do esperma (90%) é produzida pela próstata e pelas vesículas seminais, que não são afetados pela vasectomia, e assim seguem depois da cirurgia, agora sem a presença dos espermatozóides.
É muito importante entender que a vasectomia, quando da tomada de decisão por ela, deve ser tida como um método irreversível de anti-concepção. Isso pode parecer estranho, já que existe uma técnica cirúrgica de reversão de vasectomia. Entretanto, muitas pessoas que são submetidas à tentativa de reverão de vasectomia não conseguem êxito na reversão. Por isso que, ao escolher pela vasectomia, devemos pensar que ela, a princípio, é irreversível (já que posso querer reverter e não conseguir).
Ainda que a vasectomia não seja um método ideal de anti-concepção, já que os métodos ideais são os métodos reversíveis, ela cada vez é mais procurada nos consultórios urológicos. Sabemos que antes da pandemia de COVID-19, a procura pela vasectomia no Brasil já vinha crescendo bastante. Entretanto, no período pós-pandemia, houve um aumento significativo na procura por vasectomias, principalmente devido à retomada dos serviços de saúde e à conscientização crescente sobre métodos contraceptivos seguros e definitivos. Dados do Ministério da Saúde indicam que, entre 2020 e 2023, houve um aumento de aproximadamente 35% nos procedimentos de vasectomia realizados no Sistema Único de Saúde (SUS). As regiões Sul e Sudeste lideram em número de cirurgias, reforçando a tendência de aumento na aceitação e procura pelo procedimento.
Técnica cirúrgica de vasectomia
Na minha prática, realizo a vasectomia habitualmente com sedação anestésica associada a anestesia local, pois o procedimento assim realizado, com o paciente dormindo, habitualmente é mais tranquilo (o paciente acorda e já está tudo pronto). Evidentemente, há casos em que a vasectomia pode ser realizada apenas com a anestesia local. Normalmente, não se realizada a entubação traqueal para uma vasectomia.
Veja em imagens as etapas da vasectomia, conforme minha prática diária:
Aqui estão as principais etapas do procedimento cirúrgico:
Preparação:
Realizamos cuidadosamente a degermação e anti-sepsia da pele, colocando campos estéreis. O paciente, já sedado, recebe uma anestesia local na região do escroto para minimizar o desconforto durante a cirurgia.
Incisão:
O cirurgião faz duas pequenas incisões no escroto para acessar os canais deferentes, uma de cada lado, de aproximadamente 1.0 cm cada.
Isolamento dos Canais Deferentes:
Cada canal deferente é cuidadosamente isolado e levantado através da incisão.
Corte e Selamento:
Os canais deferentes são cortados, um segmento de deferente é retirado e as extremidades são cauterizadas e seladas com suturas (usa-se fio absorvível). Os cotos deferenciais proximais são suturados em "J", de forma a que as extremidades fiquem longe, uma da outra, no processo cicatricial. Temos o cuidado de suturar em planos separados cada coto de deferente.
Fechamento da Incisão:
As incisões são fechadas com suturas que se dissolvem com o tempo (fios absorvíveis), eliminando a necessidade de sua remoção.
Cuidados pós-vasectomia
Cuidados Pós-Operatórios: A recuperação de uma vasectomia é geralmente rápida e com poucas complicações. Aqui estão os principais cuidados pós-operatórios:
Repouso Adequado: Após a cirurgia, é fundamental descansar nas primeiras 24 a 48 horas. Evite atividades físicas intensas por pelo menos uma semana.
Aplicação de Gelo: Utilize uma compressa de gelo na área operada para reduzir o inchaço e o desconforto. A aplicação deve ser de 15 a 30 minutos, várias vezes ao dia nos primeiros dias.
Uso de Roupa Íntima Justa: Usar cuecas mais apertadas, de forma a manter o escroto elevado (junto ao púbis) ajuda a dar suporte e reduzir o inchaço. Recomenda-se o uso por cerca de 30 dias.
Higiene Adequada: evite molhar o curativo nas primeiras 24 horas, mantendo-o fechado. Após, retire o curativo no banho e faça o curativo pelo menos 1x/dia, após o banho, com nebacetim, gaze e micropore, por 15 dias. Nos banhos, use apenas sabão neutro e água.
Controle da Dor: É comum sentir desconforto ou dor leve nos primeiros dias. Use analgésicos prescritos e evite atividades que possam agravar a dor, como levantar objetos pesados.
Atividades Físicas: Evite exercícios físicos intensos e esportes por 4 semana. A retomada gradual das atividades deve ser feita com cuidado e sob orientação médica no pós-operatório. Semelhantemente, evite por 4 semanas banhos de imersão (como praia, piscina e assemelhados).
Consulta de Retorno: Agende uma consulta de acompanhamento para que o médico avalie a cicatrização e a recuperação como um todo. Utilize outros métodos contraceptivos até a confirmação da esterilidade por meio de um espermograma, geralmente solicitado para o terceiro mês pós-procedimento. Lembre-se que só pode deixar de usar outro método anticonceptivo associado depois que for confirmada a azoospermia (ausência de espermatozóides) no espermograma de controle pós-vasectomia.
Mitos sobre vasectomia
Existem muitos mitos sobre a vasectomia, um procedimento simples e seguro para controle de natalidade masculina. Aqui estão alguns dos mais comuns:
Mito: A vasectomia causa impotência sexual ou afeta a potência sexual. Realidade: Não há interferência na ereção, libido ou desempenho sexual. Isso é um dos maiores mitos e completamente falso.
Mito: Você não ejacula mais após a vasectomia. Realidade: Após a vasectomia, a quantidade e a aparência da ejaculação praticamente não mudam. A variação no volume é mínima, quase imperceptível, já que aproximadamente 10% do volume do ejaculado advém dos espermatozóides, o restante (cerca de 90%) é proveniente das vesículas seminais e da próstata, que não são afetadas pela vasectomia.
Mito: É um procedimento irreversível. Realidade: A vasectomia pode ser revertida, embora isso não seja garantido e a recuperação da fertilidade não seja garantida. A reversão é possível, mas a taxa de sucesso diminui com o tempo.
Mito: Vasectomia e castração são a mesma coisa. Realidade: A castração envolve a remoção dos testículos, enquanto a vasectomia apenas bloqueia a passagem dos espermatozoides.
Mito: A vasectomia é uma cirurgia muito dolorosa. Realidade: Geralmente, a cirurgia é realizada sob anestesia, e a maioria dos homens relatam pouca ou nenhuma dor.
Mito: Não pode ser realizada no SUS (Sistema Único de Saúde). Realidade: A vasectomia é disponibilizada no SUS de forma gratuita, respeitando alguns critérios como idade mínima e consultas de planejamento familiar.
Riscos da vasectomia
Como qualquer procedimento cirúrgico, a vasectomia não está isenta de riscos e de possíveis complicações. Entender esses riscos pode ajudar você a tomar uma decisão mais informada.
1. Hematomas
A formação de hematomas é um dos riscos mais comuns após a vasectomia, podendo ocorrer em até 2% dos pacientes. Hematomas são pequenos acúmulos de sangue que se formam nos tecidos ao redor dos canais deferentes, resultando em manchas roxas ou avermelhadas na pele do escroto. Embora geralmente reabsorvidos pelo corpo em 10 a 14 dias, hematomas maiores podem causar dor significativa e exigir intervenção médica.
2. Infecção
Como em qualquer procedimento cirúrgico, existe o risco de infecção. A infecção pode ocorrer no local da incisão e se manifestar com vermelhidão, inchaço e dor. Em casos mais graves, pode se espalhar para outras partes do corpo. O tratamento geralmente envolve antibióticos e cuidados locais.
3. Epididimite e Orquite
A epididimite (inflamação do epidídimo) e a orquite (inflamação dos testículos) são complicações possíveis. Ambas causam dor e inchaço no escroto e podem ser tratadas com compressas quentes e, em alguns casos, antibióticos.
4. Síndrome da Dor Pós-Vasectomia
A Síndrome da Dor Pós-Vasectomia é uma condição rara (ocorre em aproximadamente 1% a 2% dos pacientes operados). Quando ela acontece, os pacientes experimentam dor crônica nos testículos que pode durar meses ou até anos. O tratamento varia de medicamentos para dor até, em casos graves, outra intervenção cirúrgica para aliviar a dor.
5. Granuloma Pós-Vasectomia
O granuloma espermático é uma reação inflamatória ao esperma que vaza dos canais deferentes cortados. Essa condição pode causar nódulos dolorosos no escroto. Embora geralmente trate-se com analgésicos e anti-inflamatórios, a intervenção cirúrgica pode ser necessária em casos severos.
6. Recanalização Involuntária
A recanalização, ou a reconexão espontânea dos canais deferentes, é uma complicação rara que acontece em aproximadamente 1 a cada 2000 pacientes operados. Ela resulta na passagem dos espermatozoides, levando a uma falha na eficácia do procedimento. Quando ocorre uma recanalização espontânea, os títulos de espermatozóides no ejaculado são muito baixos, inicialmente incompatíveis com a gravidez por meio natural, contudo podem ir aumentando progressivamente. Por isso, recomenda-se a repetição dos espermogramas a cada 5 anos, enquanto a parceira ainda for fértil, para controle pós-vasectomia.
7. Anticorpos Contra Espermatozoides
Após a vasectomia, o corpo pode desenvolver anticorpos contra os espermatozoides. Estes anticorpos atacam os espermatozoides remanescentes, reconhecendo-os como corpos estranhos. Embora raro, isso pode afetar a fertilidade caso a pessoa decida realizar uma reversão da vasectomia no futuro.
Reversão de vasectomia
A reversão de vasectomia, também conhecida como vasovasostomia (ou vasoepididimostomia, em alguns casos), é um procedimento microcirúrgico que visa restaurar a fertilidade em homens que previamente se submeteram a uma vasectomia. Embora a vasectomia seja considerada um método irreversível de contracepção, a reversão oferece uma tentativa de solução para aqueles que mudaram de ideia e desejam ter filhos novamente.
A taxa de sucesso da reversão de vasectomia pode variar bastante dependendo de alguns fatores. Em geral, a taxa de sucesso da reversão está entre 40% a 90%, sendo mais elevada quando a cirurgia é realizada dentro de cinco anos após a vasectomia.
Aqui estão alguns fatores que influenciam a taxa de sucesso:
Tempo decorrido desde a vasectomia: Quanto mais recente a vasectomia, maior a chance de sucesso. Entretanto, mesmo se a pessoa decidir reverter a sua vasectomia durante o primeiro ano, poderá não ter sucesso em ter filhos por meio natural (por isso, na tomada de decisão pela vasectomia, dizemos que a cirurgia de vasectomia está entre os métodos irreversíveis de anti-concepção). Por exemplo, nos 12 primeiros meses após a reversão de vasectomia, a taxa de sucesso da reversão pode ser tão alta quanto 95%: isso inclui a presença de espermatozoides nos testes pós-operatórios. Porém, nesse mesmo período, a taxa de sucesso em termos de gravidez natural pode variar entre 50% a 70%, dependendo de fatores como a saúde reprodutiva do casal e a qualidade do esperma ou dos óvulos. De uma maneira geral, o sucesso da reversão de vasectomia varia conforme o tempo decorrido da vasectomia da seguinte forma:
Até 3 anos após a vasectomia: A taxa de sucesso é 75%.
Entre 3 a 8 anos: A taxa cai para 55%.
Entre 9 a 19 anos: A taxa varia entre 30% e 40%
Método cirúrgico: Procedimentos de reversão de vasectomia que utilizam técnicas microcirúrgicas geralmente têm melhores resultados devido à maior precisão.
Habilidade do cirurgião: A experiência e habilidade do cirurgião com a reversão de vasectomia são cruciais para o sucesso da reversão.
Legislação brasileira sobre vasectomia
A legislação brasileira sobre vasectomia está detalhada na Lei nº 9.263/1996 e suas atualizações, como a Lei nº 14.443/2022. Estes são os principais pontos:
Idade mínima: A idade mínima para realizar uma vasectomia foi reduzida de 25 para 21 anos, desde que a pessoa tenha capacidade civil plena. Se a pessoa já tem dois ou mais filhos vivos, a cirurgia pode ser feita a partir dos 18 anos.
Consentimento marital: A nova legislação dispensa a exigência de consentimento do cônjuge para o procedimento.
Manifestação de vontade: É necessário expressar a vontade por escrito e aguardar 60 dias entre a manifestação e a realização da cirurgia, durante os quais a pessoa passa por aconselhamento por uma equipe médica.
Disponibilidade no SUS: A vasectomia está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) de forma gratuita.
Avaliação de risco: Existe um acompanhamento por uma equipe multiprofissional que avalia os riscos e benefícios do método de forma compartilhada com o paciente.